Texto curatorial da exposição “Culpa de ser e Culpa de não ser”

Culpa de ser e culpa de não ser

 

Segundo Stuart Hall, o processo de formação cultural de um povo, de uma nação, é que lhe dá identidade. São histórias contadas e recontadas; memórias que estabelecem um nexo etiológico entre o presente e o passado, ou seja, uma verdadeira “comunidade imaginada”.

E esse fenômeno de identidade cultural foi duramente afetado na história do povo Armênio e de várias outras etnias e nações.

A diáspora, não há dúvida, causa destruição da memória de uma nação. Afeta suas narrativas, suas experiências compartilhadas, suas perdas, seus triunfos, a literatura, cultura popular, sua ancestralidade, a língua falada etc. Tudo se perde. Os filhos da diáspora estão longe de sua terra natal e são obrigados a se inserir em uma nova cultura, uma nova língua, refazendo suas vidas com perdas não raro irrecuperáveis.

Para se entender o genocídio do povo armênio, é curial que estude o Império Otomano, notadamente no final do século XIX e início do século XX. Esse é o cerne desta exposição. Pela arte, procurou-se reescrever essa história, identificar seus personagens, suas trajetórias e a forma pela qual construíram suas narrativas imaginárias.

Esse é apenas um fio condutor para se descortinar no pensamento um autêntico processo conscientizador.

A artista ANA LUIZA KALAYDJIAN, apresenta a instalação “Testemunho”. Este trabalho, desenvolvido ao longo deste ano, reúne histórias de sobreviventes, netos e filhos do genocídio Armênio. Em “Círculo Invisível”, a artista se apropria da farinha (simbolizando a ausência do pão e a fome no deserto sírio) e a apresenta de uma forma performática por meio de vídeo e também de forma escultórica, resultando várias leituras subjetivas da ancestralidade do povo Armênio.

A artista CAROL KURCIS, pela lente de sua máquina fotográfica, com muita sensibilidade, apresenta imagens das faces de pessoas em P&B dentro de tramas, como se cada fio da trama representasse uma história, uma memória, uma saudade.

As cores tonais apresentadas nesse contexto são frias, neutras, pois elas representam o não-reconhecimento, por vários países, inclusive o Brasil e a Turquia, do genocídio do povo armênio.

O artista plástico NICK ALIVE, em obra criada com a técnica do grafite, valendo-se de cores menos frias, desvela o Monte Ararat, que desperta muitos desejos e esperanças, pois significa a separação territorial, os conflitos, a religiosidade, a beleza e a grandiosidade que povoa o imaginário do povo armênio.

PAULO HARDT, artista plástico e publicitário, expõe uma escultura que, pelas formas e pela escolha do material – o concreto – representa os túmulos e os tempos sombrios que culminaram na matança indiscriminada de inocentes e a expulsão de todo um povo de sua terra natal.

As performances de JANAÍNA BARROS e WAGNER VIANA – professores, artistas plásticos e militantes dos movimentos pelos direitos de igualdade racial – cuidarão das novas diásporas, não só aquelas criadas pelas migrações pós-coloniais, como também aquelas vivenciadas pelos jovens negros da periferia e a população indígena genuinamente brasileira.

Por fim, haverá a exibição do Road Movie “RAPSODIA ARMENIA”, composto por uma polifonia de personagens, no qual rostos armênios e suas músicas são os verdadeiros protagonistas, com a presença dos diretores/ cineastas CASSIANA DER HAROUTIOUNIAN, CESAR GANANIAN E GARY GANANIAN, para uma conversa sobre o processo e produção do curta metragem.

No decorrer da semana, outros filmes e documentários produzidos por cineastas armênios e outros cineastas internacionais, traduzidas e legendadas por CHARLES APOVIAN.

Espera-se que, a partir do resgate dessas memórias, seja possível sensibilização sobre questões tão atuais, quais sejam: as guerras civis e étnicas; as novas diásporas; a conquista de poder pela violência; a ignorância e a falta de alteridade.

Como salienta Maria Rita Kehl, […] “não querer saber de nada”, é o apego à ignorância que caracteriza a nova barbárie diagnosticada por Walter Benjamin às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Seria justamente a disposição subjetiva capaz de promover tanto a paixão amorosa quanto os ódios apaixonados que podem incendiar multidões e autorizar toda espécie de violência em nome de ideias de segregação e pureza.

 

Loly Demercian.