Exposição “Eu, o outro e o meio”

LIBERDADE DE INÍCIOS
Loly Demercian, 2022

Segundo o teórico dinamarquês Simon Sheikh, o campo da arte transformou-se num campo de possibilidades de intercâmbio e análise comparativa. Ele tem se transformado numa área de pensamento, de alternatividade e pode agir como intermediário entre diferentes pensamentos e modos de percepção, como também entre posições e subjetividades.
Nesse sentido as artistas Debora Knittel, Eliane Matos, Lilian Grunebaum, Mariane Chicarino e Bruna Rinaldi se reuniram em tempos de pandemia, juntamente com o professor Dimitrov, e puseram em prática suas experiências cotidianas e seus modos de ver os impactos causados pela pandemia, em expressões artísticas, cada uma com sua especificidade. Não mais em uma produção artística, mas na articulação de pensamentos que percorrem a comunicação visual – não exclusivamente – de pensamentos sutis no contemporâneo.
As artistas tiveram como norte a memória e lembranças de um tempo que passou ou de um tempo que ainda tende a ficar, Como destacou Walter Benjamim, […] a lembrança é o complemento da ‘vivência’, nela se sedimenta a crescente auto alienação do ser humano que inventariou seu passado como propriedade morta. No sec XIX, a alegoria saiu do mundo exterior para se estabelecer no mundo interior. A relíquia provém do cadáver, a lembrança, da experiência morta que, eufemisticamente, se intitula vivencia.
As produções das artistas se deram fundamentalmente sob os impactos da pandemia, procurando dar formas às suas culturas e ancestralidades, resultando os pensamentos mais profundos. Criaram-se produções estéticas nos mais variados conceitos artísticos. Uma verdadeira catarse de sentimentos e aprofundamento em suas pesquisas. Suas singularidades são explícitas na medida certa.
A artista Debora knittel psicopedagoga, já escreveu alguns livros infantis. Em suas pesquisas explora matérias naturais, como, por exemplo, pigmentos vegetais sobre fibra de bananeira.  Como se os materiais tivessem uma memória de existência, ou seja, a impermanência das coisas nesse mundo. Deseja sempre estar em contato com essas questões de coexistir neste mundo e não separar, estar junto e em pleno contato com a ecologia, Krenak, em seu livro “A vida não é util“, disse que: […] nossa ignorância em não entender e tratar a Terra como um organismo vivo, com uma linguagem própria com a qual devemos interagir para além do consumo predatório de suas riquezas.
 A artista complementa: “Meu olhar e coração transitam pelas tradições ancestrais, pelos saberes dos ciclos, pelas águas dos rios e dos mares, pelas matas e florestas, pela amplitude do céu, por todos os cantos da Terra que revelam a teia dessa magnífica biodiversidade de macro e microcosmos”.
A artista Lilian Grunebaum formada em Arquitetura e Urbanismo. Trabalhou por anos como designer de interiores. Sua pesquisa atual tem como referências históricas e o confronto com a herança da tradição judaica, abordando memórias individuais e expandindo-as para memórias coletivas, tão presente na arte contemporânea. Em seu trabalho “Tecendo trajetórias”, 2022, e a instalação “União, 2022 “, que são tranças e fios , tendo como referência de certos procedimentos de Tunga, quer  produzir uma analogia ou encontro de energias esculturais e energias dos ancestrais, introduzindo uma tensão entre imagem e a matéria que coloca em suspenso o significado que temos do objeto.
A artista Bruna Rinaldi é estudante de psicologia e em suas pesquisas atuais apresenta composições em monotipias que trabalham a fragilidade das narrativas cotidianas, dialogando e transpondo as impressões de uma permanência e impermanência transitória. Impermanência, porque seu objeto investigado foi o plástico, muito falado e discutido durante a pandemia, como se o plástico fosse a parede entre as pessoas (o material plástico que é descartável, que é volúvel).
Em seu trabalho “Qual o meio possível do toque”, 2022 (uma instalação), Bruna busca analisar a potencialidade das formas e das transparências, ao mesmo tempo em que demonstra uma consciência e atenção às forças estruturais do campo bidimensional e tridimensional do suporte.
Eliane Matos se formou em Design de Moda. Sua criatividade de construção estética é oriunda de uma perspectiva espiritual. Situando na história da arte, verificamos que Eliane tem como norte a pintura como processo, partilha a necessidade de se expressar através do ato imediato e espontâneo de pintar. Como representantes desse modo de ver a pintura destacam-se:  Rotko, Pollock e Newman, na Action Painting, o gesto e a pincelada , no caso da Eliane o dedo, expressam-se mais a si mesmos do que a qualquer outro significado que lhe seja exterior; o processo de pintar representa o conteúdo da pintura.
A artista Mariane Chicarino é formada em publicidade e marketing, mas sua verdadeira paixão sempre foi a arte que estudava e desenvolvia em paralelo, e à qual hoje se dedica integralmente. Em suas pesquisas atuais, Mariane observa seu cotidiano, a vida trivial, a cultura pop como manifestação artística. Desde as colagens, as pinturas, as sobreposições de imagens, as cores, cada figura em seu quadro representa alguma coisa, segundo a cultura pop. A colagem revela três coisas, a saber: primeira, um misto de fascínio e de ironia em relação aos símbolos; segunda, o significado da colagem como típica da POP, derivada da prática cubista, dadaísta e surrealista; terceira, a inteligência e a sofisticação de uma composição repleta de alusões e de ambiguidades.

Curso de Filosofia

CORPO, IMAGEM, AFETO: ESPINOSA E OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO NA ARTE
Curso na Casagaleria com Rogério da Costa

Sobre o curso:

este curso visa apresentar a filosofia de Espinosa a partir de conceitos que possam colaborar nos processos reflexivos do fazer artístico. Nos encontros propostos, serão discutidos, sobretudo, o corpo e seus processos afetivos. O objetivo aqui é levar o artista a refletir sobre a forma como seu próprio corpo se insere na dinâmica criativa, seja ela de ordem plástica, musical, cinematográfica, performativa, de ativismo político etc. O curso terá quatro encontros, que tratarão dos seguintes temas:    

1-    O corpo e sua dinâmica afetiva: apresentação do conceito de corpo, afeto e relações em Espinosa. Introdução à noção de indivíduo como grau de potência único na natureza.
2-    Imagens na percepção e traços no corpo: o conceito de mundo como imagem e a dimensão das afecções do corpo. Relação da percepção com as sensações e traços no corpo.
3-    A memória corporal e a lógica das afecções: a formação da memória do corpo a partir das relações e sua dinâmica afetiva. As lembranças e o inconsciente afetivo do corpo.
4-    Os processos de criação na arte: o olhar artístico e a compreensão de si e do mundo a partir das sensações, sentimentos e emoções.  

Para obter o ingresso para o curso, entre em contato com a Casagaleria: https://linktr.ee/casagaleria_oficial

Exposição “Em se pisando tudo dá!”


Sobre a exposição

EM SE PISANDO, TUDO DÁ! 1
Escrever sobre os trabalhos do artista visual Milton Blaser não é uma tarefa fácil, por envolver situações atuais e experiências de vida. Para ser artista na contemporaneidade é curial saber atualizar-se sempre, numa relação direta com as coisas do seu entorno. A experiência vivencial é mecanismo fundamental nesse processo.
Deleuze e Guattari sugerem que, se existe progressão na arte, é porque ela não pode viver sem criar novos perceptos, novos afetos, especialmente a construção de novas significações, a partir do desenvolvimento da figura da “experiência primeira“, além do contato direto do expectador com a obra, num diálogo com o mundo em tempo real.
Passados dois anos de paralisação e letargia no mundo por conta da pandemia, as experiências foram compartilhadas e transmitidas pelas telas de computadores, com a utilização de mídias sociais. Milton, nesse tempo de reclusão compartilhada, deparou-se com questões que afligem, desde sempre, suas memórias sobre intolerância e alteridade, ou seja, perceber o outro como uma pessoa singular e subjetiva.
O artista, que tem ascendência judaica, conhece bem as questões que envolvem a intolerância racial e religiosa. Ele se deparou com essas experiências pós-pandêmicas num simples supermercado de bairro; numa situação discriminatória, ele se sentiu frágil por não poder reagir em assuntos delicados de intolerância racial e de minorias. Foi por essa situação vivencial que Milton começou a pesquisar e usar sua criatividade, de modo a deflagrar e denunciar as atrocidades contemporâneas.
Na Exposição realizada na CASAGALERIA e oficina de arte Loly Demercian, “EM SE PISANDO TUDO DÁ “, Milton Blaser apresenta sua pesquisa baseada no antropoceno, patriarcado, masculinidade e a invisibilidade das pessoas.
Em relação ao início de toda a discriminação da cor, no trabalho “Tiranias” (2022), ele retrata a potência do patriarcado dominador. Milton traduziu essa experiência em papel Kraft, pintados nas cores brancas e pretas, com enormes pênis, servindo como estandartes de uma imensa selva de genitálias, como se a masculinidade fosse o centro do universo.
No século XVIII, em 1788, o teórico de arte Claude-Henri Watelet afirmou em seu verbete do Dictionnaire des Beaux-Arts [Dicionário de Belas Artes], que branca exprimia a luz e, consequentemente, na era do Iluminismo, a clarividência e a inteligência humanas guiadas por um desejo de perfectibilidade. Nesse período ele já utilizava a metáfora do Iluminismo como forma de evocar um conjunto de projetos e debates jurídicos, filosóficos, artísticos, científicos e literários. A associação, por um lado, entre a raça branca e o progresso racional, e, por outro lado, entre a raça negra e a ausência e privação deste – que pode ser deduzida não apenas naquela inofensiva sentença, mas, de modo geral, nos discursos estéticos do século XVIII 2 .
Segundo Anne Lafont, a produção artística e o discurso do século XVIII, produziram ferramentas de observação, permitindo que os seres humanos fossem diferenciados e também classificados implicitamente em escala moral, numa iniciativa que posteriormente redundaria em racismo explicito.
Percebemos também que, além do racismo (nas cores que o artista escolheu), há também a questão da representação do pênis na arte, deflagrando o machismo que compõe e dita normas desde os primórdios da civilização, remontando à arte Grega.

No trabalho PRENSA (2022)Milton sobrepõe pisos sobre imagens de pessoas, representando semioticamente indivíduos invisíveis, fazendo uma alusão à destruição do ecossistema e o subjacente interesse econômico. Para chamar a atenção do espectador, o artista fez um buraco no teto da galeria, que permite a visualização do céu, posto que um pedacinho dele. Vê-se, portanto, a natureza refletida no trabalho, para dar ideia de ações do homem em relação a áreas devastadas, desvios de rios e o próprio lixo que produzimos todos os dias (o entulho do teto faz parte do trabalho).
No terceiro trabalho, ANÔNIMO (2022), o artista fez dois painéis: o primeiro, retratando rostos de pessoas; o segundo, sem rostos, sugerindo a existência de indivíduos que não são olhados ou notados no sistema do poder. Como ressalta Ailton Krenak: […] o antropoceno tem um sentido incisivo sobre a nossa existência, a nossa experiência comum, a ideia do que é humano. A conclusão ou compreensão de que estamos vivendo uma era que pode ser identificada como antropoceno, devia soar como um alarme nas nossas cabeças. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações e estamos jogado ao abismo. 3

  • Loly Demercian

1 O nome remete a carta de Pero Vaz de Caminha sinalizando colonização e exploração da terra
“descoberta”.
2 Revista ARS42- artigo inédito de Anne Lafont, com tradução de Liliane Benetti . “Como a cor de
pele tornou-se um marcador racial: perspectivas sobre raça a partir da História da arte”
3 Krenak, Ailton . “Ideias para adiar o fim do mundo”. Companhia das letras, 2019.

Exposição “Existir, girar, resistir”

Marietta Toledo

Sobre a exposição

Marietta Toledo voltou de uma residência artística em Epecuén, na Argentina, trazendo em sua bagagem memórias de um lugar devastado pelas águas salinizadas. Epecuén foi o maior polo de turismo termal da província de Buenos Aires e um dos mais importantes daquele País. Suas águas mineralizadas – com uma concentração de sal até dez vezes mais alta do que os mares em geral – eram comparadas às do Mar Morto e, por isso, atraíam muitas pessoas em busca de tratamento ou apenas para flutuar na salinidade daquela massa líquida. Fotos da época mostram enormes piscinas públicas, castelos suntuosos e milhares de pessoas com expressão feliz, incapazes de imaginar o que aconteceria. Em 10 de novembro de 1985, o lago transbordou por razões naturais – excesso de chuvas –, mas sobretudo por irregularidades numa obra pública, já então amplamente denunciadas: durante a década de 70.

Segundo a revista Piauí (“Cidade Submersa, edição 103, abril 2015), Epecuén nasceu como estância turística no início do século XX. Era o reduto de uma classe alta que, em busca de saúde, podia realizar longas travessias em coches. Num tempo em que a penicilina ainda não havia sido descoberta, os visitantes creditavam à alta salinidade do lago o milagre da longevidade. Em poucas décadas o povoado viveu uma explosão comercial. Em 1940, já oferecia 5 mil leitos, edifícios construídos ao gosto da Belle Époque, um hotel com escadarias de mármore e uma insólita construção medievalista –  o famoso Castelo da Princesa – incrustada em plena planície bonaerense e habitada por uma francesa de linhagem real.

Nessa atmosfera, Marietta transitou em cenários, repletos de histórias. Viu garrafas, mosaicos, pedaços de rodas, cacos de louça, tocos de árvores, gaivotas , flamingos , tubulações corroídas e um cenário de cidade vazia de vida.

As fotografias traduzem seu olhar imparcial das representações do espaço/tempo de Epecuén. Elas refletem, na verdade, discursos que tendem dar novas visibilidades na feitura dos trabalhos, marcados por tecidos luxuosos, com flores, brilhos e rendas, tal como na Belle Époque.

Reconstruindo um pensamento do tempo perdido nas águas salgadas de Epecuén, as tensões visuais ficam na estrutura de pensamento,  uma visibilidade iminente, e podem alojar-se no ser sem nenhum discurso .

E nessa inquietação  do pensamento, Marietta fez um recorte nas imagens  como uma troca com o mundo visível,  dando-lhes dezenas de possibilidades de construção em suas sensações, isto é, “cifras desenhadas num imaginário “.[1]

Essas cifras desenhadas, têm a forma do círculo, que poderia significar também como volta, giro, rodeio, circuito, orbita, rotação, âmbito, alcance, área, extensão, limite. O mundo é representado pelo círculo, por essa volta das coisas que emergem da terra. “As civilizações e épocas, por mais afastadas que estejam umas das outras, tornam-se, num certo sentido, contemporâneos de todas as imagens inventadas por um mortal, pois cada uma delas escapa, misteriosamente, do seu espaço/tempo”.[2] 

Loly Demercian


[1] Revista ARA n. 8. Volume 8.Imagens e projeções : Carmen S. G. Aranha

[2] Debray,Régis: Vida e morte da imagem: uma historia do olhar no Ocidente. Vozes. Petropolis, 1994

Exposição “A Dobra”

Maurity Damy

As dobras[1] têm várias partes que são multifacetadas nas maneiras de fazê-lo, tornando-se um labirinto, ou,  como diz o artista, “um labirinto de predicados”.
Observando-se os trabalhos de Maurity, cada quadro nos leva a um labirinto de significações, com histórias, com predicados. São alegorias do barroco, pois em seus trabalhos observamos técnicas e conceitos do barroco, como, por exemplo, o alargamento horizontal da base, o abaixamento do frontão,  traços curvos, ângulos retos e cantos arredondados. Identificamos essas características nos trabalhos “Introspectivo” (2014) e “Apoteose” (2014), entre outros.  Como dizia Leibniz, “não há retas sem curvaturas entremeadas”, mas também não há curva de uma natureza finita sem mistura de alguma outra. Trata-se não mais da possibilidade de determinar um ponto anguloso entre dois outros, por mais próximos que estejam, mas de sempre acrescentar-se um rodeio, fazendo-se de todo intervalo o lugar de um novo dobramento. E nessa turbulência de pontos fractais do movimento da mão, abre-se a dobra, uma nova afecção, encontros pontuais de um corpo com outro, onde Maurity tira suas ideias e produções.
Nos trabalhos atuais, a reclusão por conta da Pandemia, notam-se profundos dramas da contemporaneidade, desdobrando-se sempre nos corpos dos protagonistas das cenas dos quadros.
Nos trabalhos “Catarse” (2021) e “Sonho Metropolitano 1 e 2” (2021), destaca-se luz forte e desfavorável; mostram-se traços fugidios, gestos traidores, dissecando assim relações entre pessoas, intimidade, nudez e papel social de sua transgressão, solidão, sexualidade, voyeurismo, em suma, tudo que atrai o observador em seus devaneios.
As composições diagonais do corpo de homens ou mulheres, a perspectivas do espaço de origem renascentistas, nos trazem uma narrativa, assim como nas obras do artista Edward Hopper, criando recortes e planos de fuga, onde o artista se orientava pela magia perturbadora do banal .
Maurity, para traduzir suas angústias do banal do ordinário, escolheu tons gélidos ou cores em tons baixo, pessoas sozinhas em transporte público, algo irreal.  Em algumas cenas se sobressai o vermelho. No trabalho “Catarse” (2021), temos um homem sentado numa posição de acomodação diante de uma realidade doméstica; talvez esteja sonhando com a ilusão que é transmitida pela pintura paisagística, em termos de composição da cena, ao contrário daquele espaço no qual se situa o observador.
Assim serão todos os quadros atuais, significativamente vazios, oferecendo apenas um consolo da ficção.


[1] O nome dado a exposição foi basedo no livro de Gilles Deleuze sobre o Leibniz e o Barroco

Loly Demercian

Exposição Mistura confusa de seres que o acaso parece ter aproximado- UNESP

Mistura confusa de seres que o acaso parece ter aproximado

O nome da exposição poderia ser sua própria sinopse, afinal, ela reúne mais de trinta artistas que mal se conhecem pessoalmente. O título também é uma citação do botânico Michel Adanson (1727-1806) em seu Curso de História Natural (Cours d’histoire naturelle). No texto de 1772, o autor fala da dificuldade em conhecer e classificar os seres da natureza. No início de 2020, concomitante ao início do período letivo do curso de Artes Visuais no Instituto de Artes (IA) da UNESP, o ser humano se viu vulnerável diante de um vírus criado ao acaso pela natureza e desconhecido pela ciência. Foi assim que a turma de ingressantes de 2020, que compõe o quadro de artistas desta exposição, foi separada depois de poucos dias de convivência.

O ensino remoto é um dos desafios mais difíceis, dentre os inúmeros, impostos por uma pandemia viral. Em abril de 2021, esse ainda era o cenário quando iniciaram-se as aulas da disciplina Fotografia Química com Lucas Gervilla. Como transpor para o ambiente digital atividades artísticas que pressupõem a prática coletiva? Apesar de faltar resposta a essa pergunta, não houve a falta da criação artística. Sem o acesso ao laboratório de fotografia do IA, o plano de ensino teve que ser totalmente alterado e passou a ser construído coletivamente. A impossibilidade de encontros presenciais na Universidade foi substituída por apresentações dos processos artísticos pessoais onde todo o grupo pode compartilhar, através de celulares e webcams, seus espaços e seus trabalhos mais diversos.

Adanson se referia à natureza quando disse a frase título. A natureza é uma mistura confusa de seres que nada, além do acaso, parece ter reunido: em um lugar uma violeta nasce na sombra de um carvalho; em outro, os peixes no lago se confundem com as plantas. Essa mistura é tão geral e multiplicada que parece ser uma lei da natureza – diz Adanson. Durante as aulas remotas, as técnicas fotográficas, como revelação e ampliação, que seriam feitas em laboratório, deram espaço para discussões sobre autorrepresentação, memória e nostalgia. Após alguns encontros, a fotografia deixou de ser a única linguagem artística abordada. As obras foram incorporando outras práticas como pintura, aquarela, escultura, vídeo, etc. A variedade de temas e técnicas utilizadas refletem a diversidade de maneiras de lidar com uma adversidade em comum.

A exposição aqui apresentada traz à CasaGaleria as obras produzidas principalmente entre abril e outubro de 2021. Cada trabalho é um exemplo de perseverança no fazer artístico de uma geração que tem a oportunidade de expor seus trabalhos pela primeira vez; unidos por uma natureza em comum ainda a ser compreendida.

Lucas Gervilla e Rafael Augusto


Exposição “Claro da noite, entre terras e céus”

Sheila Kracochansky e Maria Luiza Mazetto


Curadoria: Loly Demercian

Maria Luiza Mazzetto e Sheila Kracochansky, em suas pesquisas atuais, resgatam um ambiente cujas fronteiras entre o ser humano e a natureza desvelam uma estranha familiaridade entre si.
Maria Luiza Mazzetto questiona a atuação humana no mundo perante o meio e a relação afetiva com as plantas. Sua prática aborda um universo de ficção acerca do mundo natural vivo. São construções ou apropriações de cenas que podem aludir a arranjos, florestas, fundos de mares ou o interior de um organismo vivo.
O trabalho “Welcome to my jungle”, 2021 (cujas partes simulam uma grande floresta), faz lembrar obras do século 19, do sublime romantismo. Sentimo-nos pequenos diante do espetáculo da natureza.
Seu objetivo é nos lembrar que as florestas estão sendo destruídas e o legado do homem, tal como se verificou com o romantismo, está sendo transformado em artificialidade. O próprio homem, mesmo em face da sua finitude, manipula biomas, cruzamentos de espécies vegetais, cria transgênicos e torna o mundo incerto e ambíguo.
O trabalho “Entre Terras e Céus”, “Bicho”, de 2019, é formado pelo agrupamento de pequenos objetos de formas orgânicas, moldados em biscuit e dispostos em acúmulo sobre um chão. Eles podem se parecer com fragmentos do mundo animal ou vegetal, mas podem também ser confundidos com pétalas, flores ou peles; ovos ou sementes; colmeia ou coral; unhas, dentes ou espinhos; galhos ou ossos; frutas, tumores ou órgãos; raízes ou artérias.
Vemos isso nos seguintes trabalhos: “O cordão e o pedúnculo“ (fotografia); “Sin violetas y mercedes (vídeo) e nos desenhos de observação do ”Alho”, 2018. Segundo a artista […] essas semelhanças nos fazem lembrar que seres vivos, animais ou vegetais, são feitos da mesma coisa, uma só matéria […]. Esse trabalho é uma metáfora para uma proximidade entre a vida e a morte. Quanto mais longa ou intensa é a vida, mais iminente é a morte.

Sheila Kracochansky, por sua vez, trabalha com parâmetros entre transparência e a opacidade, introduzindo valores intermediários. Esses valores são feitos por bordados e pedras em tecidos, como na Roma antiga onde a pintura e escultura se aproximavam da realidade do cotidiano. Uso do ladrilho e mosaicos, além de cubos de pedras ou vidros que produzem profundidade utilizada para contar histórias (nas igrejas).
O modo como a história é contada mostra ao espectador que algo milagroso e sagrado está acontecendo. Na série “Contos”, 2019, cada bordado conta uma história. No trabalho “Claro da Noite”, 2018, sua pesquisa foi mais a fundo na questão da própria natureza das coisas. Na Grécia antiga os estoicos consideravam a grande ordem universal na exaltação da natureza. Viver em harmonia com a natureza permite estabelecer a estrutura do mundo.
No período em que morou em Lisboa a artista encontrou algumas pedras, já escolhidas e ordenadas como suporte, e por cima delas colocou uma seda. Durante a noite as pedras foram molhadas com uma infusão de chá, café e açafrão; formaram-se, dessa forma, veios no tecido, criando-se uma harmonia incrível na estrutura do mundo sensível e ações do homem. Dentro dessa pesquisa surgiu também o trabalho “Quase Branco”, numa fusão dos seres, sonhos, pedras e tecidos.
Essa mesma técnica é identificada nos trabalhos “Gêneses”, 2017, série da mitologia pessoal, e “Pedras das Dunas”, 2016. Nas observações do movimento do mundo, Sheila desvela os fenômenos da natureza, criando o trabalho “Fragmentos da cor”, 2019. A série das transparências dos tecidos transforma o mundo dos fragmentos em ordenação. Desse modo, ela vai além da singularidade da arte e dos suportes para construir formas no espaço dos tecidos.

Sobre as artistas :
Maria Luiza Mazzetto nasceu em Ribeirão Preto em 1977. Vive e trabalha em São Paulo. Formou-se em arquitetura pelo Mackenzie, cursou artes dramáticas no Celia Helena, história da arte com Renata Pedrosa, ilustração com Laura Teixeira, Fernando Vilela e Odilon Moraes, leituras e escrita acerca do seu processo criativo com Nancy Betts, Márcio Harum, Sandra Lapage e Carlos Pileggi. Participou de grupos de acompanhamento de projetos com Monica Rubinho, Sydnei Philocreon e no Hermes Artes Visuais. Integrou, junto com outros 7 artistas o Vão Espaço Independente de Arte. Participou de alguns salões, como o SARP, o de Jataí, o Programa de exposições do MARP entre outras exposições coletivas. Realizou 3 exposições individuais: Procura, no qualcasa, em parceria com o Hermes Artes Visuais, Interstício, na sala da praça e Dentro do Corpo, durante a temporada de projetos do Paço das Artes de 2019.

Sheila Kracochansky nasceu em 1963, em São Paulo, cidade onde reside e trabalha. É graduada em moda (1984, Studio Berçot-Paris), pós graduada em Comunicação de moda (2017, IED Instituto Europeo Di Design – SP). Participou do grupo de estudos e arte ministrado por Marcelo Salles na Casa Contemporânea SP. Participa atualmente do grupo de estudos e discussões de projetos de arte, No Hermes artes Visuais, sob orientação de Carla Chaim, Nino Cais e Marcelo Amorim.
Participou de workshops e cursos abertos relacionados a arte, História da Arte, desenho e bordado em lugares como museu do Louvre, Faculdade des Beaux Arts- Paris; Atelier La Grande Chaumiére. Também com artistas como Thais Beltrame, Alexandre Heberte, Renato Dibb. Participou do grupo de Novas Metodologias de Pesquisa da Arte, na Unesp. Participou de exposições coletivas: Feira CHACO- Chile, Anatomia de uma convivência – Galeria Rabieh, São Paulo, Baralho – Hermes Artes Visuais, São Paulo 2018 , Mutações – Pinacoteca – Fundação Pró-Memória, São Caetano do Sul Almost White – Hangar, Lisboa, Portugal entre outros.

Exposição “O papel do artista”

Marco Piatan

Marco Piantan. O Papel do Artista

O espaço vazio se torna cheio, a leveza da forma pesa no espaço, o material se altera, se transforma e se multiplica em ondas, cortes, recortes, papel. Papel do Artista, papel de um artista, Marco Piantan.

Piantan é múltiplo, assentado nessa mostra está sua produção de artes visuais, plásticas, espaciais e ambientais, que vão se desdobrando desde a leveza do papel, passando pelo vídeo e, explorando a nobreza do mármore.

Sua obra é política em essência. Busca determinada estética, de atingir e de afetar, num lugar que mantém a beleza, em uma construção atual apreendida numa linguagem contemporânea. Sua obra é lúdica, inebriante, como num sonho colorido, como óculos que nos servem a ver o mundo como um artista o vê, nesse caso, transcodificado pela imaginação das formas e das luzes.

A exploração de certa crítica contundente, quase agressivamente desviante, que se coaduna com o amor, com referentes de encontros de formas de corpos que se abraçam, se tocam e se tornam objetos fora do tempo, em seus leitos e coitos, erotizados e desejantes do viver.

Marco Piantan tem amor pela vida, vem de uma história de poesia, de música, de teatro, de amizades da rua, de exploração dos ensinamentos dos Sertões e da favela. É artista, é educador, professor da educação básica. Um dia me falou assim: – Na escola pública estou reinventando a educação. E está mesmo. Na luta, no crescer junto, no compartilhar, no reinventar o pátio como lugar da imaginação. A instância da educação, é outra faceta que impregna  suas obras, porque são sempre diretas no se relacionar, curiosas no investigar, estimulando o pensamento, mas antes de mais nada, seduzindo o sentimento. Emocional e racional, tem cortes e recortes, pode-se notar linhagens, paulistanas, geométricas, mas sem descuido com um mundo natural, ecológico, argiloso.  

A presente exposição na Casa Galeria, traz a público a produção dos últimos anos de trabalho de Piantan, na qual a escultura, o tridimensional, figura como uma pesquisa singular e extremamente bem executada. As faturas finais de suas cerâmicas, bronze, pedra sabão e mármore têm resultado em trabalhos de extremo refinamento e força visual. Se estabelecem como objetos artísticos que transformam o espaço em seu entorno, alteram e cativam a percepção de quem quer que se aproxime de sua aura presencial. Cabe especial interesse a essa qualidade presente nas esculturas, porém, o conjunto todo da mostra precisa ser lido em sua completude e complexidade. Há sempre poesia em cada expressão que Marco Piantan coloca no mundo, há sempre lugar para beleza, reflexão e amor. Sua busca, citando aqui a parte final de seu poema Flor Castigada, é que  

A VIDA SEJA TRATADA COMO A MAIOR RIQUEZA DE NOSSAS ALMAS.
Esse é O Papel do Artista.

  • Evandro Nicolau

Revista Virtual Casagaleria e Oficina de Arte

Edição Semestral nº 3- Janeiro a Agosto de 2021

A Revista Casagaleria e Oficina de Arte conta com matérias sobre arte, principalmente, arte contemporânea e fala sobre as exposições que ocorreram no 1º semestre do ano 2021. Temos alguns catálogos dos artistas que participaram do “Projeto Arte Viva”.
Leia as matérias extremamente interessantes e mergulhe no mundo das artes.
Boa leitura e apreciação.
Casagaleria Oficina de Arte Loly Demercian. 

Design Sueli Rojas
Fotos Catarina Francia
Curadoria e direção de Arte Loly Demercian

Projeto Arte Viva

O Projeto “Arte Viva” foi criado pela Curadora e Diretora de arte Loly Demercian, que tinha como objetivo convidar os artistas da Casagaleria para mostrar seu cotidiano no Instagram. O Projeto surgiu com a ideia de apresentar os artistas e conhecê-los um pouco mais, mostrando seus ateliers, trabalhos, inspirações e etc.
Projeto “Arte Viva” conta com mais de 15 artistas. Acompanhe as publicações no Instagram @casagaleria_oficial.
https://www.instagram.com/p/CKzg45nHOFS/ (Link da página do Instagram da Casagaleria e Oficina de Arte Loly Demercian)