CRISTIANISMO E MODERNIDADE

Para a geração, que saia da Segunda Guerra mundial na idade da adolescência, a vocação de historiador não nasceu nos bancos da escola, mas nos debates culturais e políticos, quicá na rua: como sair da crise que havia carregado nossas democracias e como incorporar a definição de um novo engajamento por um humanismo cristão? Nossas primeiras leituras, além de pensadores italianos tais como Benedetto Croce e Antonio Gramsci, eram Jacques Maritain e Emmanuel Mounier; nossa revista de referência era a Esprit. Nesse contexto, parece-me que a vocação mais alta a qual um homem poderia aspirar era a historia e seu estudo. A questão que nos colocávamos era: o modelo de vida ocidental encontrava- se em crise e dirigíamo-nos, impulsionados pelas novas ideologias, para uma nova liberação da humanidade, libertada e tornada adulta após as tragédias do passado recente, ou o cristianismo permanecia uma referencia e um elemento necessários ao renascimento da democracia? Em todos os casos a questão do fim da época da Contrarreforma estava colocada. Uma época da historia da Igreja que fora marcada, nos séculos da época moderna, por um vinculo histórico estreito com o poder. De todas as maneiras, as duas crises encontravam-se misturadas e, para mim, o tema do poder, da política, tornou-se central desde então: dali deriva a minha decisão – universitária, mas não somente – de optar pelo historia moderna, e não pela historia da Igreja, no momento de escolher minha disciplina de especialização; e eu permaneci fiel a esta decisão durante todos os decênios que se seguiram.

O  termo “modernidade” – observações necessárias para não cair em equívocos na leitura deste texto que deve ser metaforicamente sintético. A minha tese é muito simples: não existe apenas uma modernidade, mas ao menos duas. Em torno da metade do século passado delineou-se o fim da modernidade e grandes pensadores leram, a partir desta ótica, a realidade que lhes era contemporânea. Pensamos nas reflexões de Walter Benjamin, de Hannah Arendt ou, entre os católicos, no livro de Romano Guardini, Fine dell’epoca moderna (1949). Com a tragédia da Segunda Guerra mundial, a shoa e a bomba atômica, eles se deram conta de que a idade moderna havia terminado juntamente com a fé no progresso e na possibilidade de criar um novo mundo fundado sobre a razao; nas décadas seguintes, com a Guerra Fria, havíamos fingido que a modernidade continuava a viver, mas não era verdade. A modernidade morreu com as tragédias da metade do século e o Concilio Vaticano II de alguma maneira participou da sua conclusão: com o Vaticano II a Igreja catolica fez as contas com a modernidade, precisamente no seu ocaso. A fé no progresso cientifico e técnico era, até então, a base comum para a construção da convivência civil. Hoje, nos todos perdemos estas certezas; saímos todos da modernidade e nos encontramos diante de novos desafios e da necessidade de fazer novas escolhas.

Antes disso, a discussão dava-se entre aqueles que acreditavam que a modernidade nascera das luzes do século XVIII (com alguns lampejos precursores nos séculos precedentes) e aqueles – entre os quais me inscrevo – que retinham que ela era o fruto de uma historia mais longa e complexa, na qual o cristianismo ocidental jogara um papel importante, no plano do pensamento e no plano das instituições, para a construção da moderna ideia e realidade de liberdade, de direitos humanos e de democracia.

A partir exatamente dessas considerações puramente históricas deduz-se o diagnóstico segundo o qual a nossa civilização esta em perigo ou, em todo caso, esta se transformando em outra coisa se perde a consciência do dualismo de fundo que determinou as suas características, da distinção e da copresença da historia humana e da historia da salvação, da separação do poder, sacro e político, antes ainda que da divisão dos poderes. Penso que esteja claro que esta afirmação, baseada na observação das tensões continuas que dominaram a nossa historia, nao guarda nenhuma relação com o discurso sobre as raízes cristas ou hebraico-cristãs da Europa, que tenho por equivocado e instrumental.

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